“Dayo e Henrique, os bebês afrodescendentes
de Azizi Abyomi e Sofia”
UM RELATO - 1º SEMESTRE
No final do ano passado, após a
cerimônia de união entre Príncipe Africano Azizi Abayomi e Sofia e do regresso
do casal à escola, nossas crianças foram categóricas em afirmar que havia uma
gravidez em curso. Esta não foi a primeira vez que percebemos a curiosidade
infantil sobre este assunto. Acreditamos que a gravidez é um evento muito
próximo de sua realidade, senão pelo próprio nascimento, mas porque a
possibilidade de acompanharem uma nova gravidez de suas mamães seja um mistério
que envolve sentimentos controversos e que precisam de atenção.
Todos os desafios que instigam nossas
crianças são feitos através de cartas enviadas por nossas figuras de afeto. Na
primeira carta que recebemos de Azizi e Sofia as crianças ficaram responsáveis
por escolherem um nome para seu bebê.
Diante desta situação-problema, começamos os processos de eleição.
Em um determinado momento
descobrimos que não seria possível escolher nomes se não sabíamos o sexo e o
número de bebês que Sofia estava esperando. Como há quatro anos, as crianças
decidiram os rumos desta história, optando por gêmeos.
Criou-se a oportunidade certa para
enviarmos pesquisas para as famílias, questionando-as sobre como saber o sexo
do bebê se eles ainda não tinham nascido. No dia seguinte, muitas informações
foram enviadas à escola. Exames de ultrassom circularam pelas mãos orgulhosas
de nossas crianças e, é claro, a solução estava dada: “Sofia tem que fazer o
exame para sabermos o sexo dos bebês”.
Sem dúvida, nosso primeiro
objetivo foi alcançado: crianças e pais conversando sobre o nascimento de seus
filhos.
Listas de materiais necessários foram
sendo construídas e a escola iniciou a organização da “maternidade”, que
recebeu o sugestivo nome de “Maternidade Mãe Natureza”.
Eram tantas as informações
que o ultrassom passou a ser, apenas, um detalhe diante todos
os cuidados necessários: o Pré-Natal. Exames de sangue, medição da pressão,
peso, tamanho da barriga foram ótimas oportunidades para o trabalho com noções
matemáticas e as linguagens oral e escrita. Confeccionamos jogos temáticos, assistimos
a vídeos incríveis sobre a gestação humana e descobrirmos que cada ser vivo tem
um tempo para gerir seus filhos/filhotes.
Nossos médicos de plantão
realizaram o exame e foi possível identificar o sexo dos bebês. Sofia e
Azizi terão uma menina e um menino, confirmando, portanto o desejo da
grande maioria.
Durante as rodas de conversa que
aconteciam em todos os grupos, os nomes dos órgãos genitais foram surgindo:
“Perereca”, “florzinha”, “pombinha”, “pintinho”, entre outros tantos. Chegava a
hora de nomeá-los, cientificamente. A descoberta das palavras vagina e pênis
foi um dos conhecimentos que propiciamos.
Logo após o exame, alguns amigos e
familiares de Azizi começaram a enviar cartas, demonstrando suas
inquietações. Essas correspondências deixavam clara a importância de
escolherem, para um dos bebês, um nome que seguisse as tradições africanas.
Neste momento começamos a trabalhar a cultura africana e afro-brasileira
através da identidade de nossas crianças. Como será o ritual de escolha
de nomes em algumas nações do continente africano? E aqui no Brasil, como
fazemos isso?
Pesquisas foram enviadas e os pais,
mais uma vez, não nos decepcionaram. Conversaram sobre a escolha do nome de
seus filhos e as crianças descobriram seus significados, trazendo as descobertas
para a escola.
Imediatamente as crianças elaboraram
os convites e distribuíram a convocação para uma Assembleia Geral
Extraordinária e a pauta era muito clara: a escolha dos nomes dos gêmeos. Cada
grupo discutiu e levou sua sugestão.
Enfim, nosso projeto foi batizado:
“Dayo e Henrique, os gêmeos afrodescendentes de Azizi Abayomi e Sofia”
Após a definição dos nomes dos bebês, propusemos uma
nova investigação científica: Como serão, fisicamente, os bebês?
A título de curiosidade,
é bom esclarecermos que a cada ação sobre a vida dos espantalhos, corresponde
uma ação que envolve a família e a própria história de nossas crianças.
Construímos a árvore genealógica de Azizi Abayomi e
Sofia para dar asas à imaginação infantil e adubarmos
o terreno fértil da infância, ao mesmo tempo em que mantínhamos uma
escuta atenta às falas das crianças durante o processo de criação.
Descobrimos que Azizi e Sofia pareciam com seus
pais e não deixamos esta oportunidade passar. Solicitamos às famílias que
enviassem fotos para montarmos a árvore genealógica de cada criança. Durante
este processo foi possível constatarmos a imensa dificuldade de algumas crianças
negras em aceitar sua cor de pele, seu cabelo e a cor de seus próprios pais.
Esta reação já era esperada, tendo em vista trabalharmos com as relações
étnicorraciais na educação infantil há três anos. Mesclando a fantasia de
descobrirmos quais seriam as características físicas dos gêmeos, fomos
trabalhando nossas próprias características e iniciamos a divulgação de
personalidades negras de grande expoente em nossa cultura. Provocamos situações
em que colocamos a nobreza de Azizi e sua cultura em evidência. Conversamos
como nos sentimos do jeito que somos e a cada resposta negativa sobre sua cor,
seu cabelo, mais investimos em ações afirmativas.
Desenhamos, pintamos, recortamos, fizemos esculturas.....
Desenhamos, pintamos, recortamos, fizemos esculturas.....
E mais uma provocação....
Será que Azizi e Sofia podem escolher as
características de seus filhos?
Descobrimos a MELANINA!!!!!
Esta descoberta fez uma grande diferença para
nossas crianças, acreditem!
O fato de termos mais ou menos melanina
transformou-se em uma descoberta que possibilitou conversarmos sobre a cor de
pele dos bebês e de nossas diferenças com uma tranquilidade que não havíamos
experimentado antes.
O fato de algumas crianças terem mais melanina do
que outras, foi encarado de forma extremamente positiva. Nossas crianças negras
falavam com orgulho: “Tenho mais melanina que você!”, característica, esta,
própria da idade em que ter algo a mais que o outro é considerado uma tremenda
vantagem. Aproveitamos o máximo esta situação!
Veja um dos nossos registros:
"...na saída de nossas crianças, dois pais
param diante dos murais que ilustram nossos projetos e um diz ao outro:
- Você não acredita o que meu filho falou pra mim.
Ao chegar da escola disse com muita alegria que sabia porque eu era branco e
ele negro. Era porque ele tinha mais melanina que eu, pode?!
O outro, meio incrédulo, ficou em silêncio..."
Mais uma vez nos deliciamos com o fato de que pais
e filhos começaram a conversar sobre suas origens, sobre sua ancestralidade.
Mas e os bebês, como serão????
Soltamos a criatividade e nossas crianças deram um
show, como sempre.
Diante dos modelos, Azizi Abayomi, negro, olhos
pretos e cabelos crespos e Sofia, branca, cabelos lisos e olhos azuis, nossas
crianças estamparam suas opiniões através de desenhos. Infinitas possibilidades
foram discutidas e, descobrimos que todas elas são possíveis: negro com olhos
claros, brancos com olhos escuros, negros com cabelos claros, brancos com
cabelos crespos e escuros, entre outras.
Todo este trabalho aguçou a curiosidade de todos,
adultos e crianças, de como seriam as novas figuras de afeto, Dayo e Henrique.
Constatamos que durante a gravidez de Sofia, seu
marido Azizi foi deixado de lado, tendo participado, apenas, dos exames de
ultrassom.
Nada mais propício do que discutirmos o papel dos
papais na vida de seus filhos, antes mesmo do nascimento. As crianças trouxeram
para as rodas de conversa vivências familiares e redigiram uma carta aberta a
todos os homens do planeta contendo dicas e conselhos preciosos.
Enquanto preparávamos o Chá de Bebê, Azizi e Sofia
resolveram visitar seus pais antes do parto, soubemos disso através de uma
carta, como sempre.
Mapas, caminhos e trajetos sobre a viagem dos dois
povoaram a escola. Avião, navio,
bicicleta? Acreditem, pais e alunos ficaram preocupados com o fato de Sofia
fazer uma viagem tão longa para a África do Sul. Foi
então que nossas crianças nos surpreenderam mais uma vez....
Alguns objetos pessoais começaram a
chegar: paninhos, chupetas e mamadeiras foram entregues à Sofia e a emoção
tomou conta de toda escola. As crianças se desvinculando de seus objetos de transferência
foi uma conquista inesperada.
Azizi e Sofia, ao retornarem da viagem, tiveram uma
grande surpresa! O Chá dos Bebês! Confeccionamos convites
e presentes, testamos receitas e conhecemos diferentes rituais e manifestações
culturais para celebrar o nascimento de bebês. Como sempre, a organização ficou
sob a responsabilidade das crianças.
Um cardápio nada convencional com
suco de melancia, cachorro quente e bolo, animou o evento. Sofia, grávida de
gêmeos, não pode participar das brincadeiras e em seu lugar assumiu a
professora "Elisa Gravidíssima". Comparar as barrigas, achar chupetas, cantar,
dançar e ter a barriga desenhada garantiu a alegria do dia.
Após uma reunião de pais para
coloca-los a par dos novos encaminhamentos do projeto, discutimos a realização
do parto, tendo as crianças como protagonistas. Ao final, vários pais
expressaram o desejo de que seus filhos fossem os médicos. Que maravilha!
Com o aval da comunidade escolar,
começamos a preparar a equipe médica, discutindo como seria o parto: cesárea ou
normal? Construímos gráficos com informações que os pais nos enviaram.
Uma semana antes da festa de junho, a
bolsa de Sofia estourou!
As esquipes médicas , manhã e tarde,
foram levadas à Sala de Cirurgia. O que assistimos não é passível de descrição.
Vários imprevistos foram resolvidos com uma rapidez que só mesmo médicos
capacitados poderiam fazê-lo. Optamos por deixar que nosso leitor participe deste
momento, através dos filmes que fizemos:
http://www.youtube.com/watch?v=g0-1TPWUvcM
( Parto – crianças do 1 turno)
http://www.youtube.com/watch?v=IA5biFbqFZA
(Parto – crianças do 2 turno)
Durante a primeira semana, os bebês
ficaram na incubadora, afinal gêmeos precisam ganhar peso antes de voltarem
para casa.
Preocupados com a chegada dos bebês,
iniciamos a organização da tão esperada ““FESTA DE BOAS VINDAS À DAYO E
HENRIQUE”.
FESTA DE DAYO E HENRIQUE
Os Direitos e Deveres da Criança ganharam um colorido especial e estiveram
bem representadas pelas danças. Experimentamos os mais diversos ritmos e
priorizamos músicas, compositores e interpretes que representassem a cultura
africana e afro-brasileira. Conhecemos alguns movimentos sociais como o Olodum,
cantamos Zeca Pagodinho e nos divertimos com Claudinho e Bochecha.
Oferecemos, na cozinha da Vovó, petiscos e a culinária
afro-brasileira e indígena. Não nos
esquecemos de estimular o consumo de frutas com a barraca “Sabor Saúde” e o
consumo de hortaliças em nossa estufa servindo um delicioso patê de cheiro
verde, com nosso ex-aluno e chefe de cozinha Felipe.
A decoração não ficou atrás, balões com as cores das bandeiras
brasileiras e da África do Sul, deram um tom especial. A exuberância da fauna e
flora do continente africano esteve estampada nas paredes com os bebês das girafas,
pinguins, zebras e elefantes. Ao invés de bandeirinhas comuns a esta época do
ano, usamos babadores, mamadeiras, chupetas e roupinhas preenchendo todos os
espaços escolares.
Envolvemos as famílias através de gincanas durante toda a festa e
garantimos a diversão de papais e mamães que tiveram que comer papinhas, encher
mamadeiras, achar chupetas e contar cotonetes.
Distribuímos mudas de hortaliças e mini-hortas para contemplar os
conhecimentos construídos pelas professoras do período intermediário.
Em se tratando de uma festa infantil,
não podíamos fechar os olhos ao fenômeno “Galinha Pintadinha” e aproveitamos para
apresentar a verdadeira, a original: Galinha D’Angola!.
As crianças exibiram as roupas que fizeram
especialmente para suas apresentações e a participação da família foi
fundamental para a complementação dos detalhes e acessórios.
Os presentes de material reciclável foram entregues
para os bebês, em uma cerimônia cheia de emoção.
O recesso escolar chegou e com ele pudemos preparar
a escola para a volta das crianças. No palco, sai a “maternidade” e surge o
quarto dos bebês Dayo e Henrique.
E com vem pela frente? Como sempre, é um
mistério....
2 comentários:
Maravilhoso!! Imagino como estas crianças terão lembranças deste dia tão especial e como isto fará delas pessos melhores. Parabéns!!
Obrigada, Luciana Valentim!!! Abraços
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